Biografia

             João Pereira dos Santos, o Mestre João Pequeno nasce em 27 de dezembro de 1917, no município de Araci, interior baiano. Logo se muda junto com seus pais para o município de Mata de São João, onde seu pai trabalhava como vaqueiro numa fazenda. João vive boa parte de sua juventude nesse município, e tem o primeiro contato com a capoeira através de Juvêncio, um vaqueiro amigo de seu pai, que havia aprendido capoeira com o lendário Besouro Mangangá, da cidade de Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano.
             Em Mata de S.João, João Pequeno foi agricultor e carvoeiro, residindo e trabalhando nessa cidade até por volta de seus trinta anos de idade.
             João muda-se para Salvador, no início da década de 1940, e começa a trabalhar como servente de pedreiro. No ano de 1945, numa roda de capoeira na Praça Dois de Julho, conhece mestre Pastinha - considerado o mais importante mestre de capoeira angola de todos os tempos - que o convida para visitar o espaço onde dava aulas. João Pequeno foi e ficou. Logo recebeu de Pastinha a incumbência de ensinar os alunos novos que iam chegando em sua escola: João Grande, Curió, Moraes, Gildo Alfinete e tantos outros mestres de capoeira angola hoje reconhecidos internacionalmente, passaram pelas suas mãos.
             João Pequeno ficou conhecido como o mais importante aluno do mestre Pastinha, e considerado o herdeiro maior dessa tradição que mestre Pastinha aprendeu com o africano Benedito.
Durante o período de agonia e morte do mestre Pastinha, no início da década de oitenta, João Pequeno passa um período afastado da capoeira trabalhando como feirante na Feira de São Joaquim em companhia de sua esposa “Mãezinha”. A Capoeira Angola passa então por um período de decadência e enfraquecimento, restando apenas alguns poucos resquícios de sua prática em alguns poucos “guetos” de Salvador e no Recôncavo Baiano.
              Porém a capoeira angola retoma, sobretudo a partir das duas últimas décadas do século XX, um fôlego e um vigor admiráveis, justamente em função de um processo muito bem articulado por importantes lideranças baianas, no sentido de valorização da consciência negra e da africanidade. Segundo o pesquisador Jair Moura (2003), esse processo iniciou-se na década de oitenta daquele século, e teve um caráter político importante, envolvendo militantes do movimento negro e intelectuais baianos, mas também nele, tiveram um papel fundamental o mestre João Pequeno, quando funda em 1981, o Centro Esportivo de Capoeira Angola Mestre João Pequeno de Pastinha no Forte Santo Antonio além Carmo, e também alguns outros mestres tradicionais da então agonizante capoeira angola, como o mestre João Grande, mestre Curió e mestre Moraes.
A prática da capoeira angola vem crescendo em grande medida, não só em todo o Brasil, como em vários países da Europa e Ásia, sem falar nos EUA, onde reside atualmente, por exemplo o mestre João Grande, que no ano de 1995 foi agraciado com o título de doutor honoris causa pela Universidade de UPSALA, em New Jersey. Nos EUA, em Washington, está também sediada a FICA (Fundação Internacional de Capoeira Angola) presidida pelo mestre brasileiro Cobra Mansa. Grupos brasileiros de capoeira angola mantêm sub-sedes em vários países do mundo como México, Israel, França, Inglaterra, Alemanha, Japão, entre tantos outros. Mestres de capoeira angola do Brasil viajam constantemente para o exterior a fim de ministrar cursos e oficinas, para os quais tem existido um interesse cada vez maior, por parte do público desses países.
             O mestre João Pequeno viajou pelo mundo afora, visitando países como a França, Inglaterra, Alemanha, Suécia, Japão, Israel, Estados Unidos, Itália, Espanha, Chile entre outros, levando sua capoeira angola, sua simplicidade e sua sabedoria, encantando a todos que tem o privilégio de compartilhar esses momentos tão ricos ao lado desse fabuloso personagem de nossa cultura popular.
Ele presta depoimento ou é citado em um número muito grande de livros, monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado, etc... cujos autores/pesquisadores a ele recorrem, como fonte privilegiada de informações, por ser João Pequeno parte da memória viva da capoeira na Bahia, no Brasil e no mundo.
             A academia do Mestre João Pequeno é uma das mais tradicionais da Bahia, e nela ainda hoje acontecem aulas de capoeira dadas por seus discípulos e uma das rodas de capoeira mais concorridas de Salvador, onde podem ser encontrados visitantes e capoeiristas de todas as partes do mundo, que vem “beber na fonte” a tradição que hoje se espalha por todo o planeta.
João Pequeno foi agraciado em 1998, com o título de Cidadão da Cidade de Salvador, que recebeu da Câmara de Vereadores numa grande homenagem.
             Em 2003, o analfabeto João Pequeno recebe o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Uberlândia, e a Comenda Zumbi dos Palmares, do Governo do Estado de Alagoas. No mesmo ano, João Pequeno recebe das mãos do presidente Luis Inácio da Silva, o título de Comendador da República do Brasil.
             No ano de 2008, a Universidade Federal da Bahia reconhecendo a importância e representatividade desse personagem para a cultura brasileira, outorga ao mestre João Pequeno o título de “Doutor Honoris Causa”, o segundo de sua carreira.
             A simplicidade, a generosidade, a humildade, a paciência, a sabedoria, a fala mansa e contida, sem necessidade de intermináveis discursos de auto-promoção, eram as características mais notáveis de João Pequeno, próprias de um verdadeiro mestre. Muito diferente do que se vê na grande maioria dos mestres da atualidade, diga-se de passagem, que auto-proclamam sua importância para a capoeira, que fazem e acontecem… que batem no peito e falam, falam, falam.
Durante sua longa vida, o mestre João Pequeno foi reconhecido e admirado pelo seu valor e pela sua obra na preservação da capoeira angola, e também como educador popular profundamente humano que foi.
Foram 94 anos bem vividos. Daqui não levou mágoa, não era de seu feitio. Inimigos também não deixou, sua alma boa não permitiria. Partiu como um passarinho, leve e feliz, como vão todos os grandes homens: certeza de missão cumprida.
            Deve estar agora junto de seu Pastinha, naquela conversa preguiçosa, que não precisa de muita palavra, que só os bons amigos sabem conversar. E seu Pastinha deve estar orgulhoso de seu menino. Fez direitinho tudo que ele pediu: tomou conta da sua capoeira angola com toda a dignidade, fazendo com que ela se espalhasse mundo afora. A semente que seu Pastinha plantou, João soube regar e cultivar muito bem. Êita menino arretado esse João Pequeno !
Prof.Dr.Pedro Rodolpho Jungers Abib
Salvador/BA - 2005